segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Falta de ajuda humanitária deixa cidadãos norte-americanos do Ártico em risco 25/02/2019 11h00 Atualizado há 11 hora


 

Cerca de 600 cidadãos norte-americanos estão precisando de ajuda humanitária por causa do maior desafio que nossa era enfrenta e vai enfrentar cada vez mais daqui para a frente, o aquecimento global. A Terra está aquecendo, segundo alertam os cientistas, por causa de um fenômeno causado pelo, entre outras coisas, pelo excesso do uso de combustíveis fósseis (petróleo). As pessoas que estão precisando de auxílio moram numa pequena cidade chamada Shishmaref, no Alasca, que fica numa ilha conhecida como Sarichef, a oito quilômetros de uma península e a pouca distância do Círculo Polar Ártico.
Fui apresentada a Shishmaref pela autora Elizabeth Kolbert num de seus livros mais conhecidos dos brasileiros, o “Planeta Terra em Perigo” (Ed. Globo),. Kolbert ganhou o prêmio Pulitzer de 2015 por “The Sixth Extinction”, que ainda não tem tradução no Brasil, onde trata da extinção em massa das espécies causada pelas mudanças climáticas. A autora visitou Shishmaref em 2004 para escrever o livro lançado em 2008, e lá encontrou uma população “que combina – de forma às vezes desconcertante – o muito antigo com o completamente moderno”.
A cidade fica a apenas sete metros acima do nível do mar e era protegida por uma camada de gelo até que o mar começou a congelar mais e mais tarde, tornando aquele pedaço de terra bastante vulnerável. Quase todos os moradores vivem da caça de subsistência, feita pelos homens, enquanto às mulheres é dada a tarefa de tirar a pele e cozinhar os bichos.
Em 1997, uma tempestade varreu uma faixa de 38 metros da cidade e várias casas foram destruídas. Em outubro de 2001, o vilarejo se viu ameaçado por ondas de mais de quatro metros de altura e, no ano seguinte, os moradores decidiram, num plebiscito, que era preciso sair dali o quanto antes. Precisavam ir para o continente, viver de maneira menos arriscada. Em 2004, sob a presidência de George W. Bush, o Exército americano atendeu ao pedido dos moradores de Shishmaref e fez uma pesquisa sobre os melhores lugares para onde aquelas pessoas poderiam ser transferidas.
Todos os espaços cogitados para o novo vilarejo onde caberiam os moradores de Shishmaref ficam em pontos tão remotos quanto, sem estradas de acesso. Por causa disso, estima-se que será preciso gastar cerca de 180 milhões de dólares para salvar aquelas pessoas do risco de serem engolidas pelas águas do Mar de Behring.
Assim mesmo, nem todos em Shishmaref estão de acordo com a transferência. Numa pesquisa realizada em 2004, vinte pessoas foram contra. Uma delas, ouvida por Kolbert, expressou seu medo de ficar longe do mar se for removida dali: “Dá uma sensação de solidão”, disse ela.
Pesquisei notícias mais recentes sobre os moradores de Shishmaref para saber o que aconteceu nesta década desde que Kolbert lançou o livro até agora. Amy Martin, do site de notícias “Pri” visitou a cidade e conta que, enquanto Barack Obama esteve na presidência (entre 2009 e 2017), deu a Joel Clement, cientista do Departamento do Interior dos Estados Unidos, a tarefa de realocar aquelas famílias. Além de Shismaref, outras 30 localidades do Ártico correm o mesmo risco.
O Congresso norte-americano, no entanto, não aprovou que se gastassem os tais 180 milhões de dólares para salvar aquelas vidas. Porque muitos de seus membros não acreditam que as mudanças climáticas sejam causadas pelo homem. Mas Obama criou um atalho e lançou uma medida que ajudava a proteger os recursos marinhos do Mar de Bhering, o que ajudaria as comunidades do entorno. Donald Trump, no entanto, revogou esta medida.
Joel Clement ficou chocado. A atitude de Trump lhe parece uma espécie de obsessão contra “qualquer coisa que se relacione a mudanças climáticas, mesmo que envolva ajuda a pessoas”. Alguns meses depois, o geofísico foi transferido para um cargo que não tem nada a ver com o que ele faz. Com ele, foram outros tantos do Departamento do Interior, praticamente um expurgo. Clement denunciou o que aconteceu para a reportagem do jornal “The Washington Post”e faz um alerta: o que está ameaçando as pessoas no Alasca vai começar a ameaçar os moradores de Miami. E não vai demorar muito.
Como se sabe, Clement não será ouvido, pelo menos não durante a administração de um presidente auto-declarado cético do clima. A moeda que move a administração Trump é a do “desenvolvimento a qualquer custo”. A jornalista canadense e ativista ambiental Naomi Klein vem batendo na tecla sobre o perigo de ter na cadeira da presidência do país mais rico do mundo um homem capaz de ter “uma agenda imprudente, um belicista, que afasta a ciência climática e desencadeia um frenesi em busca de combustível fóssil capaz de gerar ondas de desastres e choques para a economia, a segurança nacional e o meio ambiente”.
O que chama a atenção no caso Shishmaref é a maneira como aquelas pessoas foram morar ali, naquele lugar tão longe de tudo e de todos. Mas, antes de saber isso, é importante também entender porque eles não resolveram as coisas por si próprios e ficam à espera de uma ajuda governamental que – sabem – será difícil acontecer.
“As pessoas aqui dependem umas das outras para todos os elementos essenciais da vida. Eles se visitam quando estão doentes, cuidam dos filhos um do outro. Eles dependem da caça de subsistência para alimentar suas famílias e compartilham essa comida com os idosos e outros que não podem sair e caçar. E eles sabem que o futuro deles depende de manter esses relacionamentos intactos”, relata a jornalista para o PRI.
O desejo era que o governo norte-americano entendesse que, quando ele precisou, as pessoas atenderam ao chamado. Pois foi assim, em 1900, que a comunidade de Shishmaref se formou. Um povo nômade vivia ali, indo e vindo, sem formar território. Até que o governo dos Estados Unidos e a igreja luterana chegaram ao litoral do Alasca e construíram igrejas e escolas. Foi uma extensão do processo de colonização que já havia passado pelos 48 estados mais baixos. Os nativos foram informados de que seus filhos deveriam passar a frequentar a escola, senão seriam retirados do seio da família.
Era um processo de “desenvolvimento”. As pessoas, sem muita opção, atenderam ao chamado e se fixaram ali. Aos poucos, foram se estabelecendo e criando raízes. Até descobrirem o perigo que estão correndo. Em nome do progresso.
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