Vereadores revogam lei que declarava Pilar do Sul como 'cidade-irmã' de território no Azerbaijão
Lei tinha como objetivo estreitar relações para facilitar os convênios e intercâmbios sociais, culturais e econômicos entre a cidade e os territórios. Revogação foi feita após alerta do Itamaraty.
Por G1 Itapetininga e Região
Vereadores revogam projeto de lei que declarava Pilar do Sul 'cidade-irmã' de território dentro do Azerbaijão — Foto: Reprodução/TV TEM
Os vereadores de Pilar do Sul (SP) decidiram revogar a lei que declarava o município como “cidade-irmã” de duas localidades na república de Nargono-Karabakh, um território de maioria Armênia dentro do Azerbaijão.
O projeto de lei do vereador Marcos Fábio Miguel dos Santos (PDT), que teve como objetivo estreitar relações para facilitar os convênios e intercâmbios sociais, culturais e econômicos entre a cidade e os territórios, já tinha sido aprovado na Câmara e sancionado pelo prefeito.
Igreja na cidade de Shushi (Shusha), no território de Nagorno-Karabakh. Cidade foi declarada irmã do município de Pilar do Sul (SP) — Foto: Ghazanchetsots Cathedral, Shushi, Artsakh, Armenia by hovo hanragitakan / CC BY 2.0
De acordo com o chefe de gabinete da prefeitura de Pilar do Sul, na época em que sancionou o projeto o prefeito não sabia que as localidades dentro do Azerbaijão estavam em conflito. Por isso, a lei foi revogada.
A reportagem da TV TEM entrou em contato com vereador Marcos Fábio, responsável pelo projeto, mas ele preferiu não se pronunciar sobre a revogação.
Vereadores revogam projeto que declarava Pilar do Sul cidade-irmã de locais no Azerbaijão
Entenda o caso
Pilar do Sul e Mairiporã receberam alertas do Ministério das Relações Exteriores por, de certa forma, se envolverem numa disputa territorial que ocorre a quase 13 mil quilômetros do Brasil.
As duas cidades se declararam cidades-irmãs de duas localidades na República de Nagorno-Karabakh – um território de maioria armênia dentro do Azerbaijão.
O problema é que o Brasil não reconhece a República de Nagorno-Karabakh como independente - nenhum país integrante da Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece, nem mesmo a Armênia.
Segundo o Itamaraty, o governo do Azerbaijão, por meio de sua embaixada, pediu explicações ao Brasil.
As duas leis municipais aprovadas mencionam nominalmente os termos "Armênia Eterna" e "autodeclarada República de Nagorno-Karabakh". Para o Ministério de Relações Exteriores, elas poderiam afetar as boas relações com o Azerbaijão.
Mapa República de Nagorno-Karabakh — Foto: Alexandre Mauro/G1
Veja quais são os municípios:
- Pilar do Sul – irmão de Shushi (ou Shusha, em azeri).
- Mairiporã – irmã de Stepanakert (ou Khankendi, na língua azeri ou azerbaijana);
De quem foi a ideia?
A ideia de criar essas irmandades entre cidades partiu do radialista e comerciante paulistano Sarkis Karamekian, 51 anos, descendente de armênios e líder da associação Juventude Armênia. Ele e o grupo viajaram pelas cidades paulistanas com apresentações de dança e exposições da cultura do país situado no Cáucaso.
"O objetivo era estreitar a relação entre as cidades por experiências culturais, de educação e esporte", contou ao G1. Estima-se que 50 mil descendentes de armênios vivam no Brasil, a maioria no estado de São Paulo.
Bandeiras da Armênia e da República de Nagorno-Karabakh – não reconhecida pelo Brasil — Foto: Border Flags by David Stanley / CC BY
Karamekian defende que o território de Nagorno-Karabakh – também conhecido como Artsakh – seja internacionalmente reconhecido como armênio. "Mas queremos estabelecer uma relação amigável com o Azerbaijão", ressaltou.
"A gente entende [o pedido] e tem enorme respeito pelo Itamaraty. Em nenhum momento quisemos criar um mal-estar", disse Karamekian.
Esta não é a primeira vez que o "irmanamento" de municípios brasileiros com Nagorno-Karabakh recebe questionamentos do Itamaraty. Em 2017, o vereador Gilberto Natalini (PV) retirou um projeto feito por ele mesmo para tornar a cidade de São Paulo irmã de Stepanakert.
Natalini disse que, na ocasião, recebeu convite para conhecer a Armênia e visitou também Nagorno-Karabakh.
"Eu vi que ali era Armênia. A população, a cultura, a igreja eram armênias", justificou Natalini.
À época, segundo o Itamaraty, o governo do Azerbaijão "manifestou estranheza e decepção" com a proposta apresentada por Natalini.
"Para não criar conflito, resolvi retirar provisoriamente o projeto de lei. Mas acho justo que São Paulo seja irmã da cidade armênia", defendeu.
Ministério das Relações Exteriores
Palácio do Itamaraty - Brasília (DF) — Foto: Marcelo Brandt/G1
O Itamaraty informou que considera as iniciativas das cidades "bem intencionadas". No entanto, segundo o ministério, os projetos "não favorecem a construção de ambiente propício para a solução do conflito".
Além disso, o Itamaraty reiterou que o Brasil "defende a solução pacífica do conflito por meio de negociações" e a "plena implementação das quatro resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre o Nagorno-Karabakh, que reafirmam a soberania e a integridade territorial do Azerbaijão e de todos os outros Estados da região, bem como a inviolabilidade das fronteiras internacionais e a inadmissibilidade do uso da força para a aquisição de território".
O que é Nagorno-Karabakh?
Monumento 'Nós Somos Nossas Montanhas', em Stepanakert (Khankendi), capital da autodeclarada República de Nagorno-Karabakh, não reconhecida pelo Brasil — Foto: Grandma and Grandpa by David Stanley / CC BY
A autodeclarada República de Nagorno-Karabakh abriga 150 mil pessoas em um território encravado no Azerbaijão – uma ex-república da antiga União Soviética no Cáucaso, na fronteira entre Ásia e Europa. Dessa população, segundo dados apresentados pelo governo armênio, 95% tem origem armênia.
O conflito na região data do início da União Soviética, na década de 1920, quando Moscou passou a governar os países do Cáucaso. Jeffrey Eden, pesquisador da Universidade Harvard (EUA), explicou ao G1 que, durante quase todo o século passado, Nagorno-Karabakh fez parte da então República Socialista Soviética do Azerbaijão.
"Muita gente no Azerbaijão enxerga Nagorno-Karabakh como parte histórica da pátria azeri – assim como vários armênios veem da mesma forma", ilustrou Eden.
Em 1988, três anos antes da dissolução da União Soviética, eclodiu uma guerra entre azeris e armênios na disputa por Nagorno-Karabakh. O conflito só terminou em 1993, com um cessar-fogo assinado no ano seguinte e mediado, principalmente, pela Rússia. Estima-se que mais de 30 mil pessoas morreram no confronto.
Mais de duas décadas depois, em 2016, um conflito armado que durou quatro dias matou dezenas de pessoas, entre civis e militares.
A disputa ainda está longe de uma solução. Segundo Eden, dificilmente algum país vai oficialmente reconhecer Nagorno-Karabakh ou interferir de forma direta na disputa – o que explica o pedido do Itamaraty.
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