Primeiro assentamento de MT, Ponte Alta celebra São Francisco de Assis
Experiência pioneira de reforma agrária, local hoje é cenário para celebração dos descendentes de cearenses
JOSÉ LUIZ MEDEIROS/DC
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Nascida e criada em Ponte Alta, dona Elza Melo de Campos, 87 anos, lembra as histórias contadas pelo seu pai |
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CARLA PIMENTEL
Enviada a Ponte Alta
É dando que se recebe. Essa máxima de São Francisco de Assis é levada às últimas conseqüências na festa que termina hoje na região de Ponte Alta, no município de Chapada dos Guimarães (a 65 quilômetros de Cuiabá). O evento, que reúne cerca de 5 mil pessoas todos os anos durante quatro dias, é uma herança do que um dia foi uma comunidade agrícola formada por cearenses, no local onde foi instalado o primeiro assentamento de Mato Grosso. E a fartura da comida, oferecida gratuitamente para quantos chegarem, é uma das marcas do evento.
A pesquisa “Colonização, decadência e religiosidade de Ponte Alta”, da estudante de História Salvelina Campos Pinheiro Melo, conta um pouco das raízes da comunidade. A terra pertencia, no século XIX, ao senhor de engenho Agostinho Pereira Macedo – e região abriga as ruínas do que um dia foi a casa-grande. Quando o “capitão” – como era conhecido – morreu, sua propriedade passou para as mãos do Estado, já que ele não possuía herdeiros. Foi quando o governo decidiu, pela primeira vez em Mato Grosso, experimentar um projeto de reforma agrária.
Em 1898, a seca castigava o Nordeste. O Estado decidiu então trazer cerca de 40 famílias de cearenses para Mato Grosso, destinando 40 hectares para cada. Em 1901, outra leva migrou financiada pelo governo, e nas décadas seguintes outros agricultores chegaram, em busca de melhores condições junto a seus conterrâneos.
O destino do assentamento não foi diferente de alguns casos da atualidade. A pesquisa aponta que a falta de condições locais acabou fazendo com que os imigrantes optassem por abandonar a área no início dos anos 60, em busca de diamantes recentemente descobertos em Paranatinga. Hoje, as terras que um dia abrigaram o assentamento pioneiro voltaram para as mãos de grandes proprietários, sendo ocupadas por largas fatias de soja e algodão.
Os cearenses se dispersaram, mas não deixaram suas raízes de lado. Uma vez por ano, se reúnem no dia de São Francisco – 4 de outubro – para celebrar o santo, que encontra muitos devotos no Nordeste. A Irmandade São Francisco de Assis de Ponte Alta congrega descendentes dos cearenses que chegaram à região, possuindo 7 hectares de terras na área onde originalmente havia a sede da comunidade. Seus membros encarregam-se de levar à frente a tradição.
Dona Elza Melo de Campos, 87 anos, lembra de histórias que seu pai contava sobre a viagem entre o Ceará e Mato Grosso. Nascida e criada em Ponte Alta antes da debandada para Paranatinga, fala que o pai desceu de navio até o Sudeste, seguiu por terra até Corumbá, atravessou o rio Paraguai e chegou na região no lombo de animais. Entre as muitas histórias que conta, ela afirma já ter se deparado com membros da Coluna Prestes – os “revoltosos” – quando menina.
Descendentes de vários municípios de Mato Grosso se revêem durante a homenagem a São Francisco. Mas há também quem saia de longe para participar da festa. Este é o caso de Manoel Rodrigues, antigo morador local, atualmente em Porto Velho. “Sou devoto de São Francisco e sempre gosto de rever amigos”, explica ele, há nove anos em Rondônia.
Manoel Rodrigues saiu de Itapajé, no Ceará, em 1958, quando tinha 19 anos. Ele escolheu Ponte Alta como destino por ter notícia de que a região concentrava muitos conterrâneos. Ao lado de outras seis famílias, viajou de navio e caminhão por cerca de dez dias, e conseguiu um pedaço de terra em Mato Grosso – mas, anos depois, deixou a propriedade para ser trabalhador braçal no Estado vizinho. “Queria andar com minha mulher. Agora, já não dá mais para voltar”, admite.
Há algumas diferenças entre a festa de São Francisco que Manoel Rodrigues conheceu em Itapajé e Ponte Alta. Ele sente falta da cantoria, farta no Nordeste, mas que só vez por outra aparece na comemoração de Mato Grosso. Em compensação, elogia que, na festa local, não há distinção entre ricos e pobres: “Na minha terra, quem tem dinheiro fica todo engravatado, e de longe dá para ver que é diferente de nós”.
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